47th
Brincar de “faz-de-conta” na versão adulta não é tão seguro como ser um cronópio de Cortázar. A gente perde a linha, arrisca abismos, irrita as famas [sempre tão metódicas], confunde, mesmo jurando uma certeza quase infantil, o que é real do que é fantasia. Daí no atropelo de uma vingança emocionada, a gente ama um amor que nem sabia que podia e tem de traçar um plano de fuga que nem existe, mas precisa [ser inventado]. Na minha versão de vizinhos de prateleira da minha estante de estar, a Socorro Acioli, quando disse que “todos nós somos a invenção de alguém” [no livro Oração para desaparecer] fez Cortázar sorrir como quem reconhece quem entendeu o jogo, fez dele instrução e ao invés de adjetivos megalomaníacos, usou cavalos-marinhos. Quando li, também sorri, mas foi um sorriso demorado, praticamente, paralisado, de quem ainda não sabe jogar o jogo, mas já tatuou ficção para que fosse, todo dia, realidade. Aliás, tenho me sentido num clube quase cativo de quem faz da escrita o que bem quer sem ser "tarjada" só porque não [me] desnudaram com elegância, e estudar as semânticas arquitetônicas na escrita da Clarice [a Lispector] me fez olhar para meus pronomes-personagens, gramática-movimento, cadeias-de-carbono-sentimentos e expressões-matemáticas-intenção como minha geografia própria. A gente também é lugar, não é mesmo? E dos lugares todos, revisitei, depois de tantos longos anos, a vila da infância que tem nosso sobrenome e é herança afetuosa de pai. Voltei à colônia finlandesa, tão carioca, e que foi lugar de muitos começos lá no início dos anos dois mil. Continuo recebendo o amor que tanto amo vindo daqui e de lá, oceano de distância e sorrisos de medidas. E me despedi, sem conseguir aceitar o fim, num luto desastroso e vazio, da minha pessoa-lugar que eu queria permanência além de vitalícia.
É preciso novos começos, só não sei se sei [des]inventá-los sem fazer disso uma tragédia latino-americana que sibila [em] profecias, mas talvez hoje, na virada de ano novo pessoal, seja um bom dia para isso, já que comecei o dia [ainda com céu anoitecido] com as mensagens mais lindas de amor me desejando feliz nova temporada das pessoas que mais amo em todas as temporadas. O dia todo está assim: festivo, bonito e afetuoso por quem aqui sempre esteve e por quem aqui acabou de chegar.
[sim, sim... a vida continua uma cartografia dos afetos]
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