RUM COM FRAMBOESA
Tem ano que [me] confunde. Ora parece que faz tempo, ora que foi logo agora. Tem ano que parece aquelas colagens que a gente olha de longe e acha bonito e de perto não entende [quase] nada. Tem ano que parece que acabou e emendou em algum festival. No meu teve carnaval com uns rocks na casa de jazz. Depois um carnaval com jazz na casa de samba. E prolongamos uma ressaca de carnaval com o que há de mais carioca em éssepê. O Guy lançou o videoclipe de "Ninguém te espera" no comecinho do ano [a canção que me fez endoidecer no ano que já tinha passado], me convidou para escrever a orelha do seu livro de poemas "Dentes & Nomes (e os micropoemas)" e juntou nesse livro nosso esquema de pirâmide que deu muito certo [amizade tem dessas coisas bonitas!]. Teve blues que chegou num pacote repetido do natal passado, que virou quase aniversário [e continuo achando lindo quem contribui com a trilha sonora da minha vida em caixas de antigamente]. "Only God Was Above Us" foi o melhor álbum do ano segundo eu mesma. Meus lutos foram estranhos. Foram distantes. Sem despedidas. Ficaram as histórias vividas até ali sem a cerimônia do adeus. Um tio que já não via há anos, mas que foi o melhor tio da minha infância e adolescência. Um amigo, que me mandava mensagem "pensei em ti hoje" com a foto pensativa para provar. As quartas foram todas políticas dedicadas à Diplomacia de Saúde Global e ao G20. As segundas foram de cinema do Woody Allen e de Crítica de Cinema. Voltei a frequentar o campus universitário para vislumbrar a semântica arquitetônica na literatura da Clarice [a Lispector].
O álbum Ocean Rain, do Echo and The Bunnymen, fez 40 anos. Meus amigos começaram a fazer aniversário no período da manhã e estou sem entender até agora essa tendência. Mas fui em todos. Repeti ponte-aérea emocionada [e aos que sabem os trajetos, podem me julgar! Quem não sabe, não!]. Não comemorei aniversário, mas aceitei todos os convites para abraços do meu aniversário fora de época em jantares, cafés, cervejas, vinhos e um almoço numa comunidade palestina onde todo mundo faz um círculo, dá as mãos, bate os pés no chão numa contagem e ritmo fáceis que todos erram num movimento circular e nada uniforme. Ainda assim, ali todo mundo é feliz naquele breve espaço de tempo. Tive medo. Há tempos não sentia o medo do abismo entre a vida e a morte. Há tempos não chorava, publicamente, mas chorei quando alguém me perguntou se "estava tudo bem". Sobrevivemos. [Quase] todos. Cada um do seu jeito. Sobrevivi ao susto. Ele sobreviveu da quase morte morrida. Tatuei o trecho do livro dele que fala sobre sustos. E dos nossos berços. E dos nossos pactos. E das nossos olhares. E da nossa maneira de estar presente na vida do outro, dos outros, dos gatos, dos livros, das músicas, dos pedaços daquilo que nunca foi inteiro. Fiz outras 4 tatuagens para lembrar na derme o que eu já tinha dito por aqui, numa conversa emocionada, num capítulo de ficção. Comprei muitos livros. Muitos mesmo. Minha estante de estar implora por um puxadinho [elegante].
Perdi as contas das vezes que fui num show do IRA! e nesse ano não foi diferente. Também vi Paralamas do Sucesso de novo, estive, pela primeira vez, num show do Humberto Guessinger, mas preciso dizer que estive com o Paul [o McCartney] e na minha versão estávamos eu e um Beatle - pareceu... pareceu que tinha mais gente! E no show da Bethânia e do Caetano, até agora, [me] pergunto: como assim a Bethânia realmente existe e não é uma invenção nossa, coletiva, lúdica, endoidecida numa divindade? Como assim?! Caetano [me] parece a dança de uma oração [ecumênica] que é Bethânia.
No prêmio OFF FLIP desse ano estive presente na antologia de poesia com meu longo poema sem métrica "Graça Corpórea" e na antologia de contos com meu conto minúsculo "Toda garoa tem seu dia de tempestade". Finalizei e registrei o livro "Ballet Cósmico", e emoldurei o sol poético da artista Fernanda Rodrigues para fazer cia aos meus quadros da Camila Morita.
Daqui por diante, peço, [nem sempre] delicadamente, que os sustos não me amedrontem. Que a gente continue. Que os amores prevaleçam. Que haja mais presença do que ausência. Que as colagens do ano que começa, sejam elas cubistas, surrealistas ou modernistas, emocionem - eufóricas como os cronópios de Cortázar, como o Lirinha declamando intenções e com a [minha] dança desprovida de técnica, descalça, na sala - onde sou especialista. Que o brinde seja de rum com framboesa.
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