NINGUÉM É POR ACASO

A vida, muitas vezes, é caótica, nada coerente, duvida da gente e do que a gente sente. A vida pode ser um frame surrealista dependendo de como a gente conta, vê e transborda. A vida cabe numa dança feliz, ainda que tudo seja dúvida, com David Bowie solando pra você numa das cenas mais lindas do filme "Bardo: Falsa Crônica de Algumas Verdades, de Alejandro González Iñárritu". Uma dança feliz também me fez morada numa sala com nossas músicas numa casa que foi nossa por uns dias com o amor do dia que poderia ser de uma vida e que, no final das contas, foi o amor de uma temporada. Ainda assim, enquanto se existe no outro, somos equações límbicas baseadas em paixões clássicas como se Nick Cave quebrasse uma quarta parede só para cantar "There she goes, my beautiful world" nos créditos finais.

De lá do confinamento da pandemia até aqui demos alguns passos além do sobreviver. Voltamos a frequentar além dos nossos cômodos. Voltamos a ver nossas pessoas. Voltamos a conhecer gente que se tornou importante. E voltar a viver além de sobreviver é privilégio. É sorte grande. É mais um pouco do muito do que foi antes.

Se não fosse a partida do Kolber depois de 15 anos e 5 meses de vida linda, ronronante e muita gatice, diria que 2022 foi imensamente gentil. Se não fosse uma fratura exposta e outra que me tirou a segurança em alguns momentos, diria que 2022 foi bom. Se não fosse a continuidade da selvageria de um [des]governo criminoso que mata todo dia de morte matada e morte morrida, diria que 2022 foi um ano decente. Ainda assim ter tido o Kolber na vida me deixa feliz. Apesar das fraturas todas, tive quem me desse a segurança que já não era mais minha. E no final, mesmo no caos, vencemos uma eleição contra a barbárie. Embora nada seja eterno entre uma divina comédia e outras distâncias reais, cá estamos.

E porque 2022 foi de um jazz imensamente bonito e festivo posso afirmar que temos improvisado a vida com elegância - com direito a morar na edição do ano da Menor Melhor Festa do Mundo. Porque em 2022 fui letra de música e 'Lou Salomé' posso dizer que não me faltaram declarações de amor das mais sofisticadas. Porque 2022 gritou que amor é a nossa resistência, posso mapear em rota e pele o plural dos [nossos] lugares como naquela canção antiga que ouvimos repetidamente durante o ano: "cuidar de amor exige mestria". E todo 2022 foi com e por alguém - e ninguém é por acaso.

Se fizemos de 2022 a vida do outro bonita, que continuemos em 2023! E que toda boa vontade seja razão suficiente para se fazer realidade.

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