MAIS UM POUCO DE MUITO

Mais um ano pandêmico. Mais um ano morando numa bolha quentinha, em condições ideais de temperatura e baldinhos de café contrapondo a condições caóticas de pressão emocional e [des]governança política. Ouvindo a versão mais linda do deus Bob Dylan na voz de Gal Costa e Jorge Drexler em repetição porque a versão folk te implorando "Vá, ande, junte tudo que puder levar" é incentivo-abraço-delicadeza. 

2021 passou correndo, veloz, atroz. É bom estar viva. É, também, dolorido quando as pessoas deixam de existir e você fica ali, como testemunha. Sempre verbalizei que gostaria de saber quando fosse morrer para poder me despedir da vida do meu jeito e a Ingrid teve essa possibilidade e fez isso com uma delicadeza difícil de ilustrar. Foram seis meses compartilhando seus dias. Suas danças na sala com o irmão e com o pai. A última live no hospital para que todos os seus, em todos os lugares do mundo, pudessem dizer o quanto a amavam e eram amados por ela. Se existe coisa mais bonita, potente e amorosa do que reunir as pessoas da sua vida para um adeus cheio de signifcados, não sei o que seria. Estranho mesmo é morrer e não poder sorrir pra todo mundo e agradecer pelo amor de todos - e a Ingrid fez isso. Que potência de mulher! Que sorte a minha tê-la como amiga. Que estranheza é vida sem ela.  

2021 passou numa velocidade estranha, gritando pela janela "junte tudo que você conseguiu por coincidência" e, mesmo sem saber direito como fazer isso, a gente vai lá e junta: referência, cinema, amuleto [inventado] da sorte, um encontro que saiu de uma curtida num post aleatório, um reality show inventado que inspirou a realidade e acabou numa nota de falecimento na mesma rede social que se fez lugar. 

"- muito, muito, muito, mais um pouco de muito" - e termina o áudio-mensagem. O último depois dos fins. O [fim] da ficção dela e, um ano e três meses depois, o [fim] da vida dele. 

[corta]

2021 foi de poucos [e bons] lugares. Teve exposição "Segredos" dos Gêmeos na Pinacoteca, um dos meus lugares prediletos de São Paulo. Uma session de jazz lindíssima num teatro cheio de cadeiras vazias - porque é assim em tempos de pandemia. Alguns cafés para demorar abraço e entregar a [minha] poesia sobre o tempo que agora mora numa Antologia Poética. Das idas entusiasmadas à cada uma das três doses da vacina. Dos cômodos de casa que são refúgio, fortaleza, calma, conforto. 

2022: Tenho pressa pra chegar naquela temporada que a vida parece não ser tão perigosa só para deixá-la em "slow motion" degustar cada frame, cada olhar, cada encontro, cada gole, cada sorriso e abraço demorados.

"Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já"

[nota]

Comentários

  1. um pedacinho de sossego no caos.
    bom saber que aqui ainda tem café fresco pra acalmar mentes inquetas.
    2022 chegou e a gente torce pra que ele voe!

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    1. bom saber que continuamos nos frequentando sem perder a admiração [tempos favoráveis para isso!] e a poesia.

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