LEMBRANÇA LEVE QUE OPINA A TARDE

[Jordan Duailibe é dono de uma literatura que merece ser lida aos quatros cantos desse mundo. Tenho a sorte e o privilégio de poder fazer dos nossos dias e conversas inspirações literárias e delicadeza. Hoje, aqui no De Analgésicos & Opioides, o capítulo é dele. 
Como ele mesmo define:"um pequeno curta com passagens regionais"]

Espreitava-se levemente sobre o cedro da varanda, onde os cotovelos pousavam bem vistos e confortáveis, perto das pequenas plantas em formação, ramificações que se cresciam em pequenos círculos verdes, nos vasos dourados que chispavam luz do sol, ali bebericava a pequena xícara branca e tragava um cigarro rapidamente, relembrando certas coisas que guardava a mente.
Iria viajar e nem havia arrumado a mala, na cama ampla, roupas dobradas com cuidado, alguns perfumes, um pequeno guia de bolso e um tinteiro onde desenvolvia seus versos.

Quinze anos que não revia o seu pai, num compromisso árduo de trabalho e cansaço, o prolongamento de tempo se construiu normalmente à margem dos ponteiros.

Ainda conseguia perceber o olor campestre de mato depois de uma tarde de chuva, a rede e o rangido trazido da escápula enferrujada, o bolo de fubá de Inhazinha queimando leve no fogão à lenha, perto de tantos retratos em preto e branco ganhando acomodações na parede, o Cristo no madeiro feito com muito cuidado, guardando à memória da mãe, no quarto do grande sítio.

Quando criança ia ter com cavalos, até o dia em que um cavalo disparara sobre a ribanceira, e lhe deixara como lembrança incômoda, uma perna engessada por seis meses.
Quantas árvores frondosas dividindo espaços inúmeros, sobre o terreno uniforme, brotando frutos maduros nos galhos, sobre o regime de balanços administrados pelos zéfiros.

De seu pai ainda lembrava as botas pretas, a voz brincalhona e o chapéu torto cobrando o café para Inhazinha que acertava o ponto costumeiro.

Nada diferente, nada refletia ou que impusesse uma simbologia diferenciada de famílias, poderia ser qualquer outra, se não fosse aquele algo escrito em letras garrafais no coração, saudade.

Não conheceu muito do campo, e nem viu a cana no moinho ganhar garrafas e serem vendidas no centro velho da cidade, não lustrou as botas observando o sol findo pelos cercados de arame.

Chegou um dia em que até mesmo pasta de dentes não se combinava, e entendeu sua dura realidade, tinha novos rumos a se ganhar pelos olhares e se permitiu a arrumar as malas, coisa que ainda treina, enquanto o café lhe vinga lembranças e o cigarro lhe endereça uma certa paz presencial.

Tirou do bolso da camisa salmão, duas cartas escritas em linhas tortuosas, em esferográfica preta, contando o causo de suas histórias, e recomeço de terras, do tempo de seca e chuva, do segundo casamento e novas plantações ao norte, de um final eu te amo, e venha comer o bolo de macaxeira, provar um inhame e frango com quiabo no varandão aberto do sítio, sentia-se compenetrado, desfalecido, absorto, amassou uma das cartas que atingiu a piscina do prédio em ondas circuncêntricas, iria voltar a selecionar peças e encher o fundo de fotos, seguiria para o nordeste amanhã sem atrasos como se deu por tantos anos.

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